1 de abr. de 2014

Dia do diário 1.0

Hoje acordei as 7:00. Suco de um limão. Saí para o trabalho.
 
Conversei, negociei, cuidei dos gatos; mais conversas, mais negócios, mais cuidados com os gatos.
 
As 19:00 fui para casa. Fiz bolo de milho e feijão preto. Fui dormir.
 
( ... )
 
É impressionante como o dia está opressivo, parece que o ar tá estático. Vontade de fazer nada. O tempo na realidade só vem a contribuir para esse estado de ânimo, na medida em que oras tá sol, oras tá nublado. Mas é politicamente errado dizer que o dia tá uma eca!!! ... mas tá!

25 de mar. de 2014

Dia 7, Joana e Murilo

Joana tinha uma vida tão insípida quanto uma celibatária poderia ter.
 
Trabalhava numa repartição de segunda a sexta, realizava trabalho voluntário no sábado e passava os domingos com seus pais.
 
Todas as noites aproveitava para assistir os capítulos das novelas de todos os canais que deixava gravando, assim como as séries [ românticas ].
 
Joana sentia que faltava algo em sua vida. Tinha um trabalho fixo que a preenchia. Realizava tarefas com seus queridos animais no abrigo, zelava por seus pais e familiares e ainda tinha tempo para sonhar acordada com as séries e novelas. Mas ainda assim, sentia que lhe faltava algo, uma emoção, uma sensação, algo que lhe fugia ao entendimento.
 
Joana não sabia mas naquele dia toda a sua vida aparentemente normal mudaria.
 
Murilo um jovem rapaz com um futuro promissor, lutava contra uma leucemia.
 
Encontrou com Murilo na praça onde costumava passear no intervalo do almoço. Sentiu algo que atraia o olhar para aquele rapaz que ora lia uma página do livro, ora esquecia-se dele no colo e simplesmente levantava o rosto para o sol que lhe lambia as maçãs do rosto.
 
Travaram conversa a princípio sobre a leitura dele, e depois sobre o belo sol de outono e depois sem perceberem, estava um contando seus piores medos ao outro.
 
Despediram-se na esperança de novamente se encontrarem.
 
Joana e Murilo encontram-se casados a 17 anos, tem um casal de filhos, uma hipoteca, problemas normais e contornáveis e uma certeza: a vida era bela, como uma manhã de sol  no outono.

24 de mar. de 2014

Dia 6, Paula e José

José era considerado por todos um bom partido. Paula era a encalhada da turma.

Estereótipos de uma sociedade que rotula e classifica as pessoas:

José nunca casou, morreu numa casa para idosos sem família. Paula matriarca de uma numerosa família, morreu feliz amparada por seus familiares.


22 de mar. de 2014

Dia 5, Melissa e Rafael

Rafael pensava consigo: estou cansado, não consegui terminar um trabalho.
 
Melissa pensava consigo: ele está pensando em outra, deve ser lá do escritório, ele anda distante, sem paciência, com certeza é mulher. Ah se eu pego algum bilhete, ou uma curtida a mais no FB, vou te vigiar de cima Rafael, tu não me engana.
 
(...)
 
No intervalo de segundos quantos desencontros.

21 de mar. de 2014

Dia 4, Roberta e Rodrigo

Roberta e Rodrigo eram um casal modelo.
 
Ela extremamente gentil e prestativa. Ele um marido mimado.
 
Todos os dias antes de saírem juntos para o trabalho Roberta providenciava para que a limonada de Rodrigo estivesse pronta e as frutas picadas. E todos os dias Rodrigo implicava com a demora de Roberta em embarcar no carro.
 
Numa determinada manhã Roberta perdeu a hora. Levantou rapidamente e chamou por Rodrigo, entrou no banho e ficou rezando para que o marido a ajudasse nos preparativos. Ainda estava no chuveiro quando ouviu o ronco do motor do carro.
 
Mesmo contrariada terminou o banho, vestiu-se apressadamente; mentalmente maldizendo Rodrigo e seu egoísmo.
 
Ao sair pela porta foi o tempo de ver o carro virando a esquina, cantando os pneus.
 
Não podia ser real; devia acordar e verificar que estava sonhando...
 
Voltou para o interior da casa e ao ver na pia o limão que perfilara na noite anterior e as frutas que deveria ter picado soltou um berro de frustração.
 
O seu dia havia literalmente azedado.  

20 de mar. de 2014

Dia 3, Bia e Antônio

Bia sentia a distância de Antônio. Ele se esquivava de seus abraços.

Na cama Bia sentia como se um abismo estivesse entre os dois. Era o hora do dia em que o silêncio evidenciava a distância ainda mais.

Ele sisudo, calado, sempre evitando os confrontos. Ela triste, apática, sonhando com dias melhores.

Bia sentia que ainda havia esperança para a história dos dois. Antônio preparava as malas.


19 de mar. de 2014

Dia 2, Beatriz e Claudio

Claudio já a alertara: estava se negligenciando, raiz do cabelo branca, acima do peso, vestindo roupas desleixadas.
Beatriz seguia dizendo que amanhã resolveria. Que amanhã começaria uma nova dieta. Que amanhã marcaria horário pra retocar o cabelo. Que amanhã iniciaria uma série de atividades físicas. Que amanhã tudo mudaria.
Os dias foram passando e ela não conseguia encaixar seus planos à sua rotina.
Ele cansou. Ela entristeceu.

18 de mar. de 2014

Dia 1, Ana e Paulo

Via Paulo cansado. Resolveu ser magnânima e deu a sugestão de que ele saísse, para se distrair.
A sugestão foi aceita imediatamente.
Ela ficou em casa e ele saiu. Ela lhe pareceu serena e contente. Ele saiu perfumado.
Ana se distraiu em casa. Paulo voltou depois da meia-noite.
 
No dia seguinte, Ana estava zapeando pelo FB e viu fotos de três amigas de Paulo no mesmo local onde ele estivera na noite anterior.
 
Ana ficou triste, queria ser ela a estar com Paulo. Mas ficou brava também, por ele ter levado as amigas consigo. Ficou envergonhada também, pelo que os amigos devem pensar sobre ela ficar em casa e ele sair para se distrair.
 
Ana chegou do trabalho. Fez a janta. Sentou-se a mesa com Paulo. Foram dormir. No outro dia tudo recomeçaria.
 
 
*O texto acima é uma obra de ficção, sendo seus personagens fictícios, frutos da imaginação da autora.

Todas as vidas, Cora Coralina

Todas as vidas - Cora Coralina


Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pra o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...


Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d'água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.


Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem-feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.


Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.


Vive dentro de mim
a mulher roceira.
- Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem chiadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.


Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fado.


Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida -
a vida mera das obscuras.


 

Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas ou Cora Coralina, (Cidade de Goiás, 20 de agosto de 1889 — Goiânia, 10 de abril de 1985) foi poeta e contista brasileira. Produziu uma obra poética rica em motivos do cotidiano do interior brasileiro, em particular dos becos e ruas históricas de Goiás. Começou a escrever poemas aos 14 anos, porém, Publicou seu primeiro livro em 1965, aos 76 anos.